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Junto com o primeiro produto, a Pierrot La Once lançou, no dia 11 de agosto, O Som é Translúcido, filme produzido em parceria com o artista Henrique Asevedo. Gravado em locações reais e com processo artesanal, O Som é Translúcido é uma carta poética em movimento. Ao longo de sua breve duração, o curta-metragem não conta uma história — pelo menos não no sentido tradicional. Ele sugere. Fragmenta. Desvia. Imagens e sons se costuram como lembranças de um sonho que já não se sabe se foi vivido. A câmera observa, hesita, volta atrás. O som hesita também. Às vezes é silêncio. Às vezes, o próprio ruído do silêncio.

O filme gira em torno de Ferdinand, personagem criado para dar vida à Pierrot La Once. Mas aqui, Ferdinand é mais do que um símbolo da marca: é o protagonista de uma memória que pulsa entre a arte e o trauma. Uma memória que vem antes mesmo do acontecimento. Em O Som é Translúcido, Ferdinand é visitado pelos espíritos dos cineastas que, décadas depois, teriam criado algumas de suas grandes obras sob a referência estética do seu livro. 

Inspirado livremente nas figuras melancólicas e excêntricas de filmes como Pierrot Le Fou (Jean-Luc Godard) ou Um Cão Andaluz (Luis Buñuel e Salvador Dalí), Ferdinand é escritor, artista e espectro. Um homem assombrado não só pela censura de sua obra — uma peça proibida antes mesmo de ser encenada — mas por algo mais íntimo e inconfessável: a memória de si mesmo, criança.

A peça fictícia O Som é Translúcido, escrita em 1928, é o grande eixo simbólico da narrativa. Apresentada como sua obra-prima, foi proibida por supostamente representar uma “ameaça à ordem pública”. 

Essa interdição ecoa ao longo do filme como ferida aberta. O espectador assiste a uma preparação para uma estreia que jamais acontecerá. Há vestígios de cenário, figurinos, um camarim, mas não há plateia, não há palco, não há fala. Apenas o vazio e o eco.

É nesse ponto que a narrativa dobra sobre si mesma: O Som é Translúcido encena o processo de criação de uma peça censurada que, paradoxalmente, se realiza através do cinema. A obra negada se transforma em imagem, em som, em gesto. Se não pode acontecer no teatro, que aconteça no sonho — ou na linguagem onírica do audiovisual.

Um processo de filmagem íntimo e radical
Todas as imagens do filme foram captadas em cenários reais da casa do autor — seu quarto, cômodos tornados vazios para o filme, móveis antigos — aproveitando a luz natural sempre que possível. Não há efeitos especiais. Filmado em um aparelho smartphone, a estética visual foi pensada para remeter à fotografia dos anos 1940 a 60, com toques de granulação e contraste acentuado.

A montagem seguiu uma lógica poética. Mais do que dar sequência aos acontecimentos, o objetivo foi construir atmosferas, propor imagens que falam por si. Muitos dos takes são estáticos, longos, contemplativos.

Os sons e as formas do silêncio
Em O Som é Translúcido, o silêncio é personificado pelos fantásmas que observam Ferdinand. É o som da chuva, o tic-tac do relógio, o vento... e que só desaparecem quando o protagonista finalmente se pronuncia em um trecho de uma entrevista fictícia em francês, gravada especialmente para o filme, e com tratamento sonoro que remete à uma gravação antiga — reforçando a ideia de documento raro, recuperado do tempo.

As imagens também desempenham função narrativa, assim como os cortes abruptos e a sobreposição — como na cena final, em que fragmentos de filmes surrealistas aparecem em transparência sobre a cadeira vazia. 

No último ato, a presença da música Unchained Melody representa a catarse. É o único momento em que o filme se rende ao lirismo absoluto. A música invade a imagem e tudo é luz. Tudo é memória. Tudo é ausência.

Com menos de oito minutos, o filme poderia facilmente passar despercebido em um mundo saturado de estímulos. Mas ele exige do espectador o oposto: atenção, presença, pausa e escuta. É um filme para ver com os ouvidos e para ouvir com os olhos.